Hace poco empecé a ver en la memoria imágenes nuevas, distintas de las que el recuerdo me había venido trayendo desde mi pasado más lejano. Al principio eran figuras discontinuas, no se precisaban y no podía ubicarlas. Se empezaron a fundir unas con otras, a transparentarse unas sobre otras, a borrarse en el momento justo en que estaba por reconocerlas, como si quisieran burlarme, aun cuando era yo mismo el que las proyectaba. ¿Yo había estado ahí? Podían venir de los sueños, no me extrañaría porque ya otra vez me habían engañado. Pero éstas tenían un inconfundible color de realidad, y cuando al fin las reconocí pude entender por qué me habían resultado tan extrañas. Venían de lejos, de mi primera infancia en El Pensamiento. En realidad lo único extraño era que hubieran tardado tanto en llegar. Pero había razones para la demora. Una de ellas fue que hubo un episodio que juré mantener en secreto, y aunque fue un juego de niños, debió de hacer presión sobre el relato general, donde valen lo mismo las veras y las burlas. También, sobre todo, estuvo Pringles, el teatro de mis descubrimientos e invenciones, tan importante en la creación de lo que fui que me hizo decir que allí había pasado toda mi infancia. Era cierto, pero antes estuvo El Pensamiento. ¿Cómo pude olvidarlo durante tanto tiempo? Quizás lo dejé en reserva, para cuando lo hubiera contado todo y faltara lo más importante.
César Aira
Recentemente comecei a ver na memória imagens novas, diferentes daquelas que a lembrança me rinha vindo a trazer do meu passado mais distante. A princípio eram figuras descontínuas, não eram precisas e não conseguia situá-las. Começaram a fundir-se, a tornarem-se transparentes umas sobre as outras, a apagarem-se no exato momento em que eu estava prestes a reconhecê-las, como se quisessem rir de mim, mesmo quando era eu mesmo quem as projetava. Eu tinha estado ali? Poderiam vir de sonhos, não me espantaria porque já noutra altura me tinham também enganado . Mas estas tinham uma inconfundível cor de realidade, e quando finalmente as reconheci pude compreender por que me tinham parecido tão estranhas. Vinham de longe, desde a minha infância em O Pensamento. Na verdade, a única coisa estranha é terem demorado tanto a chegar. Mas havia razões para o atraso. Uma delas foi que houve um episódio que jurei manter em segredo e, embora fosse uma brincadeira de criança, deve ter pressionado a narrativa geral, onde a verdade e a troça têm a mesma importância. Além disso, acima de tudo, estava Pringles, o teatro das minhas descobertas e invenções, tão importante na criação do que fui, que me fez dizer que ali tinha passado toda a minha infância. Era verdade, mas antes havia O Pensamento. Como pude esquecê-lo durante tanto tempo? Talvez o tenha deixado de reserva, para quando tivesse contado tudo e faltasse o mais importante.
César Aira
Recentemente comecei a ver na memória imagens novas, diferentes daquelas que a lembrança me rinha vindo a trazer do meu passado mais distante. A princípio eram figuras descontínuas, não eram precisas e não conseguia situá-las. Começaram a fundir-se, a tornarem-se transparentes umas sobre as outras, a apagarem-se no exato momento em que eu estava prestes a reconhecê-las, como se quisessem rir de mim, mesmo quando era eu mesmo quem as projetava. Eu tinha estado ali? Poderiam vir de sonhos, não me espantaria porque já noutra altura me tinham também enganado . Mas estas tinham uma inconfundível cor de realidade, e quando finalmente as reconheci pude compreender por que me tinham parecido tão estranhas. Vinham de longe, desde a minha infância em O Pensamento. Na verdade, a única coisa estranha é terem demorado tanto a chegar. Mas havia razões para o atraso. Uma delas foi que houve um episódio que jurei manter em segredo e, embora fosse uma brincadeira de criança, deve ter pressionado a narrativa geral, onde a verdade e a troça têm a mesma importância. Além disso, acima de tudo, estava Pringles, o teatro das minhas descobertas e invenções, tão importante na criação do que fui, que me fez dizer que ali tinha passado toda a minha infância. Era verdade, mas antes havia O Pensamento. Como pude esquecê-lo durante tanto tempo? Talvez o tenha deixado de reserva, para quando tivesse contado tudo e faltasse o mais importante.