12 setembro, 2024

Serra do Elóquio


Serra do Elóquio
 
 Eu era uma e agora sou outra. Ando às palavras
como quem colhe fruta madura, e vim aqui ter
para querer-te: conhecer-te é um dia de primavera
a estirar-se ao comprido sobre a grama. Pareço
olha para mim, um corpo vivo a espantar-se
por ter a vida dentro. Não sou de cá nem de lá
e canto, com pés e braços, como se tudo dependesse
do canto, e canto como se tudo antecedesse
a falta. Venho de muito longe, não sei se regresso
e gosto tanto de estar aqui contigo como gosto de cantar
 
e do café. Não tenho pressa e sorrio-te com os olhos
a encolherem-se por cima da chávena vermelha. Olá.
Sorris-me de volta e és feita de luz e de canções. Como será
dar inteiro o torso ao teu abraço e tirar os sapatos
no parque? Dispor a cabeça horizontal no teu regaço
e adormecer? Encontrar nas histórias que contas
o que arde, e precipitar-me de repente para a cama
com intenções de beijar-te? Como será, aliás
cair para a tua boca como se cai para um acidente
e desaparecer, como desaparecem os gatos?
 
 
Patrícia Lino