MEDITAÇÃO NO LABIRINTO DOS SÉCULOS
(Ou: Como uma gota de água se recusa ao dilúvio dos dogmas)
Medito no cruzamento do relógio e do abismo —
duas faces da mesma moeda engasgada ao espelho.
Aqui, a História não é uma linha, é teia em surdina:
o fio que une o insecto ao âmbar é o mesmo
que cose a palavra ao silêncio,
a lâmina à sombra do pulso.
Os livros, cápsulas de mel e cicuta,
abrem-se por dentes e por mãos.
O vento sopra: viram pó os que temem voar;
viram sombra os que lavram o chão sem semente.
Os que sonham, esses, engolem a tempestade e ardem
como se o próprio céu lhes mastigasse a espinha.
A tempestade esquece depressa os seus devotos.
O insecto, liberto do âmbar, desfaz-se em pólen
antes que a cidade lhe aprenda o nome.
A Literatura é um vendaval de fôlego curto —
desarruma palcos, derruba máscaras de gesso,
entorta coroas de louros.
Alguns escondem-se em casulos de certezas,
outros dançam nus no açoite das perguntas.
O poeta caminha no fio do abismo:
equilibra-se com um verso na língua
e o peso das horas nos calcanhares.
Se tropeçar, que seja contra o crânio do século,
e que os seus ossos risquem blasfémias
na testa do futuro.
Todo dogma é um teatro desmontado.
Todo poema, a raiz que rompe o cimento com o riso.
O que escreve o vento nas paredes do tempo?
Riscos de carvão, fórmulas de sal,
o desespero das mãos que sustentam
o tecto desabado das utopias.
Meditar é desenterrar o fóssil sem esperar a ressurreição.
Antes de ser pólen, que fira a vista do rei,
que infeccione a cidade de visões,
que estilhace as janelas da catedral.
Se o vento queima os ídolos, que os santos inúteis ardam.
Se não há centro no Labirinto dos Séculos,
sigamos as espirais de pólen e os rastos de lâmina.
No fim, sobram as perguntas:
Que mel sobrevive à geada dos dogmas?
Que veneno é doce aos lábios do século?
O poeta, agora estátua de sal,
sussurra ao ouvido do relógio:
"O abismo é o meu único tradutor - converte o rugido do tempo em seiva de silêncio."
(Ou: Como uma gota de água se recusa ao dilúvio dos dogmas)
Medito no cruzamento do relógio e do abismo —
duas faces da mesma moeda engasgada ao espelho.
Aqui, a História não é uma linha, é teia em surdina:
o fio que une o insecto ao âmbar é o mesmo
que cose a palavra ao silêncio,
a lâmina à sombra do pulso.
Os livros, cápsulas de mel e cicuta,
abrem-se por dentes e por mãos.
O vento sopra: viram pó os que temem voar;
viram sombra os que lavram o chão sem semente.
Os que sonham, esses, engolem a tempestade e ardem
como se o próprio céu lhes mastigasse a espinha.
A tempestade esquece depressa os seus devotos.
O insecto, liberto do âmbar, desfaz-se em pólen
antes que a cidade lhe aprenda o nome.
A Literatura é um vendaval de fôlego curto —
desarruma palcos, derruba máscaras de gesso,
entorta coroas de louros.
Alguns escondem-se em casulos de certezas,
outros dançam nus no açoite das perguntas.
O poeta caminha no fio do abismo:
equilibra-se com um verso na língua
e o peso das horas nos calcanhares.
Se tropeçar, que seja contra o crânio do século,
e que os seus ossos risquem blasfémias
na testa do futuro.
Todo dogma é um teatro desmontado.
Todo poema, a raiz que rompe o cimento com o riso.
O que escreve o vento nas paredes do tempo?
Riscos de carvão, fórmulas de sal,
o desespero das mãos que sustentam
o tecto desabado das utopias.
Meditar é desenterrar o fóssil sem esperar a ressurreição.
Antes de ser pólen, que fira a vista do rei,
que infeccione a cidade de visões,
que estilhace as janelas da catedral.
Se o vento queima os ídolos, que os santos inúteis ardam.
Se não há centro no Labirinto dos Séculos,
sigamos as espirais de pólen e os rastos de lâmina.
No fim, sobram as perguntas:
Que mel sobrevive à geada dos dogmas?
Que veneno é doce aos lábios do século?
O poeta, agora estátua de sal,
sussurra ao ouvido do relógio:
"O abismo é o meu único tradutor - converte o rugido do tempo em seiva de silêncio."
Fátima Vale