Banho-me e deixo-me sumir nas cores, para que elas me cubram com a sua definitiva bondade.
São tão precisas, tão singulares, tão irrevogavéis na sua delicadeza, a cobrir as linhas submersas no corpo revisitado.
Apesar disso, faço sumir as cores para que me não desviem. Dói esse desejo de me deitar nelas e esbracejar, criança-anjo no vento do Outono, deleite no dourado de mil matizes, a encher-se de zelo, em gestos irrepreensíveis, na água, folhas e rostos, os olhos, as linhas do riso, o brilho nas pupilas, os lábios trémulos e o pescoço, num arco de sujeição, suspeita e perigosamente aberto, arco a desvendar a imperfeição.
Os esboços, as linhas traçadas como arquitraves.
Neste charco, onde uma gota de água caísse, pudesse revelar o arco, erguido em suspensão, exposto onde a jugular se invalida.
O pescoço orgulhosamente brandido, funde-se em chicote, de ombros cerrados em ponto de interrogação.
O negro e o azul lutam entre si pela semelhança, franzem-se em pontos e manchas na pele.
A lama pede azul. O azul do céu escancarado. O azul da água das veias expostas. Um fio de água escorre por entre esse sangue quase evanescente, e surge um rio, desenhando aquele arco perfeito, límpido, seguro.
O azul invade a tela. Primeiro, titubeante, um céu ou infinito a suster-se por finas linhas negras, rede tão fina e intrincada que respirar é quase uma sugestão.
Olho o quadro de novo, e o negro mistura-se e volta a escorrer de todos os sulcos navegados. O azul fecha-se na garganta como um selo.
A tela cobre-se com o pano.
A tinta começa a secar, criando relevos, tessituras várias, as fissuras do corpo antecipado.
Azul e Negro, assim foi o quadro nomeado.