21 abril, 2024

Corrida de Caixões nas Rias Baixas

 Corrida de Caixões nas Rias Baixas
 
Peixe clandestino com direito a cadeira, Luisa Mota atordoava-se com Anxo Pastor na parrilhada Abô Ramiro. Diante das bateias de Arousa, uma sequência de naipes funerários atravessou-lhe os dentes que lhe mordiam os entre-olhos. Vai haver uma corrida de caixões?
 
- Creio que sim - dixo Anxo - parece que a axência de Xeraz do Lima está entusiasmada.
 
Coberto por um manto bordeaux, o polvo era um cadáver tenro e disponível a uma transformação sem conflitos extremos. Luisa Mota disse:
 
-Que de bom! Carai! Nunca comi assim!
 
- A corrida ten reglas, nom?, questionou Anxo
 
Mónica de Pontevedra, que ainda não tinha freado o delírio, desorbitou-se num comovente lampejo de lucidez. Disse:
 
-O caixão que desaparecer em último é o que ganha!
 
O membro da Xunta, ao balcão, aproximou-se interessado:
 
-Isso vai trazer muito prestígio à galiza. Será a primeira corrida de caixões do mundo. E calhará optimamente no InterReg III.
 
Galaaz! Viva Galaaz
Que não sabe o que faz!
 
Embora lamentando a ausência de inúteis agonias, e carpindo o facto das bateais não darem azo a alabastros e balaústres, Camilo Pessanha concordou em escrever o Programa das Corridas, texto que intitulou: Sumidouro.

As famílias desataram a inscrever os seus mortos. A heráldica foi apontada como a novel indústria de sucesso. Reunidas todas as associações, organizações, deputações e quejandas, assentou-se a criação de uma nova ONG de providência ao evento. Por unanimidade extasiante, tal G-ONG recebeu o título solene de JACOMEO.
 
Luisa Mota, muito rodada nos 60 canais da tvcabo, colocou com pertinência, a seguinte questão científica:
 
-E como se ordena a pole-position?
-De catro a catro - ouviu-se a voz do mar.
-Todos os caixões que chegarem pelo menos até Ponta Couso recebem uma menção honrosa- propôs a galego-holandesa Jacomina.
- O Isaak vai logo perguntar-me pelo prémio - bipolarizou Luisa Mota
- O prémio é fácil, um cesto de pimentos do Padrón, dixo Otilia
- E a taça?, arquejou ansiosa Luisa Mota
- A taça é de albariño, home, dixo Lois Gil Magariños
 
Estava tudo contente, tudofeliz!. Gente inebriada à chuva do Courel. Luisa Mota perguntou se podia trazer a mãe mais o Rui que gostava muito de bateias e mais o Ricardo de quem queria ter um cadáver. Anxo Pastor, que tinha acabado de ler um poema de Marcos Ana, foi invadido por uma estranha pulsão maníaco-depressiva:
 
-E a quem se vai entregar a Taça?
 
Fez-se pó. Era do jeep do Aurelino Costa saído da bruma sebastianista da estrada. Aurelino saltou do jeep com muito vermelho e disse:
 
-Ó Anxo, deixa lá isso! A Taça não é para se entregar. É para se beber!


alberto augusto miranda