*
Cadeira (com a voz seca, como uma árvore esquecida): "Quantas vezes baloiçarei vazia antes de me esquecer de ter sido ocupada? Diz-me, corvo, tu que vês tudo e não carregas nada: é isso que resta do tempo?"
Corvo (num crocitar que parece um sorriso torto): "Pensas que baloiçar é o teu destino? Sempre foste movimento emprestado. A ausência, cadeira, é o teu verdadeiro dono."
*
Homem (com amargura, apontando para a figura): "Vês? Nem sequer temos plateia. Tocamos para ninguém. Um concerto sem ouvidos é uma morte sem eco."
Espectador (batendo palmas, o som seco e deliberado, como a batida de um coração distante): "Eu escuto. Sempre escutei. Vocês não tocam para os vivos. Tocam para o que está por vir. Para o que nunca foi."
Fátima Vale, A vertigem das coisas
Corvo (num crocitar que parece um sorriso torto): "Pensas que baloiçar é o teu destino? Sempre foste movimento emprestado. A ausência, cadeira, é o teu verdadeiro dono."
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Homem (com amargura, apontando para a figura): "Vês? Nem sequer temos plateia. Tocamos para ninguém. Um concerto sem ouvidos é uma morte sem eco."
Espectador (batendo palmas, o som seco e deliberado, como a batida de um coração distante): "Eu escuto. Sempre escutei. Vocês não tocam para os vivos. Tocam para o que está por vir. Para o que nunca foi."
Fátima Vale, A vertigem das coisas