Ella
Os podéis ir sentando, gracias. Me gustaría empezar puntual, si puede ser. Los de detrás, por favor, silencio. Obviamente, nada de móviles. Modo avión, gracias. ¿Puedo empezar? ¿Sí? (Pausa. Espera.) Hoy hablaremos de Franz Kafka, concretamente abordaremos algunos elementos de su novela El proceso, Der Prozess. Este texto fue escrito hace más de un siglo, si tenemos en cuenta todo lo que ha sucedido desde entonces, podemos entender por qué a Kafka se le considera un avisador del fuego, un visionario. «Avisador del fuego» es una expresión benjaminiana y se refiere a aquellos que han escrito sobre una catástrofe antes de que esta suceda, como si, a través de una prognosis fabulosa, hubiesen sido testigos privilegiados y anacrónicos… Los del final, tenéis algún problema? Algún problema, pregunto. Si no os interesa… ¿No os interesa? Muy bien. (Pausa breve.) ¿Alguien ha leído el texto? Estoy haciendo una pregunta. Por favor, dejad los móviles… Estáis buscando en Google… Tú, ¿estás buscando en Google? Sí, te hablo a ti. ¿Qué haces con el móvil? ¿Estás buscando en Google «Kafka»? No puedes simplemente escuchar. O tomar apuntes. Hace dos semanas que os dije que hoy empezaríamos este texto, no es largo. No hace falta demasiado… Tampoco os he pedido que leáis el Ulises, de Joyce. (Pausa breve.) Ya sé que Kafka no entra en el temario. Pero hace dos semanas que os expliqué que nos apartaríamos un poco del temario, precisamente… Sí, un poco… Pues para entender de forma crítica las consecuencias prácticas de la razón pura, para entender que la razón pura ni nos ha hecho ni nos hace libres. Kafka… Esta novela… Claro que tiene sentido. Tiene mucho, ahora. (Pausa breve.)
No, en el examen entra Kant. Sí, el imperativo categórico. No penséis ahora en el examen, por favor… (Respira profundamente.) Disculpad, esta noche casi no he podido dormir. Un vecino que pone la música a todo volumen. Yo… (Pausa breve.) No lo habéis leído, ¿verdad? (No han leído nada, los mataría a todos). Muy bien. No pasa nada. Os lo explico yo. No pasa nada. (Se les tiene que explicar todo). La novela de Kafka empieza con una detención, una mañana, Josef K, el protagonista, es acusado de un crimen del cual él no sabe nada. Desde ese momento, el personaje se adentra en una pesadilla, en una especie de laberinto desmoralizador e irresoluble, que podríamos llamar «kafkiano». El personaje K no es solo acusado arbitrariamente de criminal, sino que es expulsado de su casa, lo sacan de su hábitat, lo expulsan de su mundo, y él no tiene dónde dirigirse. Las fuerzas institucionales que forman este laberinto oscuro han superado el control humano, todo el mundo puede ser triturado por este proceso aceptado… (Está muy mareada.) Joseph K no tiene dónde dirigirse, no tiene dónde ir, no encuentra
ningún interlocutor fiable… (Respira profundamente. Pausa. Algo no va bien. Le gustaría gritar, pero cae desmayada.)
Victoria Szpunberg
Ela
Podem sentar-se, obrigado. Gostava de começar à hora certa, se puder ser. Os de trás, por favor, silêncio. Obviamente, nada de telemóveis. Modo avião, obrigado. Posso começar? Sim? (pausa. espera.) Hoje vamos falar de Franz Kafka, concretamente abordaremos alguns elementos do seu romance O processo, Der Prozess. Este texto foi escrito há mais de um século. Se tivermos em conta tudo o que aconteceu desde então, podemos compreender a razão de Kafka ser considerado um avisador do fogo, um visionário. «Avisador do fogo» é uma expressão benjaminiana e refere-se àqueles que escreveram sobre uma catástrofe antes dela acontecer, como se, por meio de um prognóstico fabuloso, tivessem sido testemunhas privilegiadas e anacrónicas... Aí, os do fundo, estão com algum problema? Algum problema, pergunto. Se não vos interessa... não vos interessa? Muito bem. (Pausa breve.) Alguém leu o texto? Estou a fazer uma pergunta. Por favor, deixem os telemóveis... estais a pesquisar no Google... Tu, estás a pesquisar no Google? Sim, estou a falar contigo. O que estás a fazer com o telemóvel? Estás a pesquisar no Google «Kafka»? Não consegues simplesmente ouvir. Ou tomar notas. Há duas semanas que vos disse que hoje começaríamos este texto, não é longo. Não é preciso muito... Nem sequer vos pedi que lessem o Ulisses, de Joyce. (Pausa breve.) Bem sei que Kafka não entra na matéria. Mas há duas semanas já expliquei que nos afastaríamos um pouco do programa, precisamente... Sim, um pouco... Para compreender de forma crítica as consequências práticas da razão pura, para entender que a razão pura não nos fez nem nos faz livres. Kafka... este romance... claro que faz sentido. Tem muito, agora. (pausa breve.) Não, no exame entra Kant. Sim, o imperativo categórico. Não pensem agora no exame, por favor... (Respira fundo.) Desculpem, esta noite quase não consegui dormir. Um vizinho que coloca a música com o volume no máximo. Eu... (pausa breve.) Vocês não leram, certo? (Eles não leram nada, se pudesse matava-os a todos). Tudo bem. Está tudo bem. Explico-vos eu. Nada. (tem que se lhes explicar tudo). O romance de Kafka começa com uma detenção, uma manhã, Josef K, o protagonista, é acusado de um crime do qual não sabe nada. A partir desse momento, a personagem entra em num pesadelo, numa espécie de labirinto desmoralizador e insolúvel, que podíamos chamar «kafkiano». A personagem K não é só arbitrariamente acusado de criminoso, é também expulso da sua casa, levado para fora do seu habitat, expulsam-no do seu mundo, e ele não tem para onde ir. As forças institucionais que formam este labirinto escuro superaram o controle humano, todo o mundo pode ser esmagado por este processo aceito... (Ela está muito mal disposta) Joseph K não tem para onde ir, não tem para onde ir, não encontra nenhum interlocutor confiável... (Respira profundamente. Pausa. Algo não está certo. Precisava de gritar, mas desmaia.)