06 abril, 2025

Lava em Estado de Ave



Lava em Estado de Ave
 
No lugar da fúria, um rio subterrâneo:  
a boca, pétala de girassol nocturno,  
soletra sementes de um amor desconhecido  
não sabe se é Fénix ou minhoca — arde na costela.  
 
O pai
repousa na cama-berço de silêncio.  
Ferrugem em néctar, a lei  
agora: um fóssil que floresce na bacia  
de argila. A sombra, insubmissa,  
refresca o ar que os pulmões herdaram  
como asa.  
 
Entre dois abismos, invento  
a gramática do músculo que sustenta  
o céu caído. Ternura sem sujeito:  
gravidade vestindo as feridas,  
íman que não interroga.  
O amor escorre  
entre os dedos da memória,  
líquido e sem nome —  
como a luz que persiste  
no olho fechado da pedra.  
 
Nenhum desengano resiste  
ao eclipse do que somos.  
Na palma da mão, além da tempestade,  
o amor é um segredo no sangue:  
algo que nasce da poda  
e não se extingue.  
 
°
°
°
Fátima Vale
 

04 abril, 2025

La porte / A porta



Anxo Pastor


La porte
 
Ouvrez-nous donc la porte et nous verrons les vergers,
Nous boirons leur eau froide où la lune a mis sa trace.
La longue route brûle ennemie aux étrangers.
Nous errons sans savoir et ne trouvons nulle place.
 
Nous voulons voir des fleurs. Ici la soif est sur nous.
Attendant et souffrant, nous voici devant la porte.
S’il le faut nous romprons cette porte avec nos coups.
Nous pressons et poussons, mais la barrière est trop forte.
 
Il faut languir, attendre et regarder vainement.
Nous regardons la porte ; elle est close, inébranlable.
Nous y fixons nos yeux ; nous pleurons sous le tourment ;
Nous la voyons toujours ; le poids du temps nous accable.
 
La porte est devant nous ; que nous sert-il de vouloir ?
Il vaut mieux s’en aller abandonnant l’espérance.
Nous n’entrerons jamais. Nous sommes las de la voir…
La porte en s’ouvrant laissa passer tant de silence
 
Que ni les vergers ne sont parus ni nulle fleur ;
Seul l’espace immense où sont le vide et la lumière
Fut soudain présent de part en part, combla le cœur,
Et lava les yeux presque aveugles sous la poussière.

 
Simone Weil
 

A porta
 
Abram-nos, pois, a porta e veremos as plantações,
Beberemos as suas águas frias onde a lua pôs o seu olhar.
A estrada longa arde inimiga para as migrações.
Vagueamos sem saber e não encontramos nenhum lugar.
 
Queremos ver flores. Aqui a sede está sobre nós.
Esperando e sofrendo, aqui estamos diante da porta.
Se for preciso, arrombaremos a porta com o nosso atroz.
Pressionamos e puxamos, mas somos impedidos pela comporta 
 
É preciso sentir falta, esperar e olhar em vão.
Olhamos a porta ; está fechada, inabalável.
Fixamos os olhos nela; choramos sob o cachão;
Nós vemo-la sempre ; o peso do tempo é execrável
 
A porta está diante de nós ; de que nos serve querer?
É melhor ir embora, abandonando a a esperança.
Nunca entraremos. Estamos fartos de a ver...
A porta ao abrir-se deixou passar tanta mudança
 
Que nem os pomares apareceram, nem nenhuma flor ;
Apenas o  espaço imenso onde estão o vazio e a soleira
Esteve subitamente presente de todos os lados, brotou a cor
E lavou os olhos quase cegos sob a poeira.