06 novembro, 2013

se calhar está morta

  

Rodei o cilindro com álcool e lassidão. O silêncio ao alcance de um dedo. Ao rodar o cilindro, as minhas existências rodava. Em super8: nada se fixava, nenhuma imagem preponderava. Todas as vidas se tinham transformado em filme, os filmes revogavam agora o próprio ato que os vulcanizara, eram um cemitério de prazeres. “Vou ver aquelas mortes da Ilha, amanhã vejo as que fizeste para o teu enxoval cinéfilo”. As narrativas rodavam o tambor quando a iluminação alagou o objeto, massacrando-o com o anacronismo. A redenção vocal das enfermeiras de telemóvel outorgou-me temporalmente o mito do Pénix Renascido. As imperialistas realidades do corpo salpicaram-me.

Parentes do crepúsculo, os vultos acordavam-se no meu hemisfério: seres de cavernas, seres do ar-livre, polaróides do cortejo tribal para guardar no álbum genético. “Que fotografia colocarás no teu álbum que não seja nossa?” entoou o corifeio, esse omnipresente ditador que me enferma sempre que o não integro. Ouvi a sua canção no meio da publicidade e propaganda, cada ser tornara-se publicidade. A minha prima confidenciou-me ter sido essa a razão para não ter saído de casa durante 28 anos. Manteve o humor, o seu, o quase-seu. O seu silêncio inapreciável até pelo carteiro, criou nela uma esfinge alegre que percorre os velórios de Alcácer do Sal como Guardiana impoluta. Deve ser dos seres que menos contribuiu para as poluições. Os seus encontros viventes eram sempre noturnos e subterrâneos, a salvo dos satélites.

Nada sei da mulher, se calhar está morta

 

alberto augusto miranda