Não se sabe o que fazem, porém mexem-se. Alinham os bodes sem formatura no mais castanho-vivaz dos carreiros entre-verdes. A sagesse caprina domina as presenças ignorantes, sua quietude altaneira oprime os compassados, os que inverteram o grito e são agora profissionais, batem, por exemplo, no burro sempre que o social os aliena.
Eu sou aquele burro chibatado e cheio de moscas. Não saio, não mexo. Não quero ir para empresário, professor ou empreiteiro. O burro que estranha a neurose do homem e lhe pergunta em tom muito baixo e de muito pudor: "Que mal te fiz para me tratares dessa maneira?”
Não é preciso fazer mal. Não é preciso mal. Pelas linhas das alturas, onde se descansa da temporada, vê-se: o male é ser através do burro. Quieta-me a Benta com seu humor de oboé e desobrigações. Aparentemente há chuva, este redondo de acolitados só se salva olhando para cima. E ouve-se nada, o mundo é de pedra.
Na fraternidade de todos os cornos que nos igualam, sobrevem imperiosa a pulsão da viagem. Vamos todos, todos de outra maneira, e de outra maneira vestidos, cada um no seu barco de sair. Olhei para ela com vagares de boi. O mundo era muito antigo em meu gutural.
Li as estantes como esporas epitalâmicas onde a conquista é levada ao registo. Respirei na fonte das lembranças, com particular adição gástrica. Queria irmanar-me às perdizes, às que perdizem. Vistei uma, vestida em quadriculado, uma aberta fórmula de apetite. Tinha serraneado uma linha convexa onde armazenava, com rigor doméstico, suportes históricos de uma existência livresca. Hercúlea e possuidora de uma certa ramada alta, prodigalizava toques de afeto que enchiam os parabéns da autoestima.
Mais abaixo, em hors-texte com o nome de eiralonga, agitei o corpo em direção ao paroxismo. Um espigueiro de antanho guardava-me as vivências dos fenos. E abri o Sul, com o disparo simétrico de uma fotografia, pelo cotejo infernal a que as vadiagens obrigam. Sorri à necessidade de Beatriz. Ela estava pronta a esquecer, a reconhecer todas estas sombras, sem temperar os interditos para o imediato comer matinal.
O segredo, Benta segredação, era um contínuo semi-piscar de olhos que nunca ultrapassavam 1/4 da abertura regular. Metia-se, ela, então, no pão e na estratégia. De tudo se abstinha como uma castrada atriz de bergman. Relançava, em após, as pernas quase-nada pernas, em motor de vidinha abstrata, pós-moderna, jamais desaguante, o dia seguinte era o destino a assegurar.
Havia, nos dentros, um tecido áspero tearizado com a nunca explicitação, a révanche inconcluída como múnus da sobrevivência. Os certos andavam no prodígio dos crimes, uma pedra impunha o homem que "morreu em luta com o trabalho", fosse o que fosse, pedia, exigia, uma dramaturgia. Podíamos dizer: houve Salto, era uma libido de balzac, circunstância e exponência, uma rejeição do havido, um impromptu sobre o devir.
Num dos bares, em sonoras parangonas, os mestres do pimba cult encontravam mais uma enseada, gente sem saber o que fazer ao corpo: trasmontanos, brasileiros, ucranianos, são-tomenses, nepaleses, proprietários insatisfeitos. Deitavam-se com a Lei: A Domus.
O paralelo era impossível, nada de cotejos, mesmo nada de cortelhos, abafar as insências em invisibilidade: só o homem, esse animal de nada. Resta-me pouco. Não deve dar para riscar, sou um cisco diminuído, um aero-invisível, só as vacas me esbugalham os olhos com amabilidade e alguma simpatia erótica. Até a dor acorda mal servida de corpo, os bichos pequenos fogem de mim, sou a palha seca, ainda pesada para as célias, as andorinhas.
Não devia ter voltado, não devia ter aquiescido, puta de memória, vale da tragédia. Saber, sem ter o sabor, da lembrança de fazer corpos com poemas, essas gritarias de emigração. Não tenho pena de entregar o vasilhame à terra. Todo bebido, só os pinhais e os musgos me comeram a nudez. O restante biónico é uma devolução. Aqui me vejo, ilíquido. Sólidas, só as imagens, a ruga de as ver, a anestesia do deslumbramento sem sensação. Branco e Vermelho, a peçonha de existir.
alberto augusto miranda